quinta-feira, 23 de junho de 2011

Documentos inéditos obtidos pelo Estadão revelam como o cardeal e a Igreja combateram a ditadura militar.

A ATUAÇÃO DE DOM PAULO EVARISTO ARNS DURANTE A DITADURA

Por wilson yoshio.blogspot

Do Estadão

2ª Parte da reportagem.

A luta secreta do Cardeal D. Paulo Evaristo Arns


Harper sugere que o Conselho Mundial de Igrejas demonstre apoio às instituições religiosas no Brasil. Poucos dias depois, a entidade em Genebra enviaria telegramas para manifestar sua oposição à repressão e apoio à democracia.

Clandestinos. A relação entre o Conselho e d. Paulo ganharia novas dimensões. Dois anos após a invasão da PUC, o cardeal escreveu ao então secretário-geral do Conselho de Igrejas, Philip Potter, sob o alerta de que o "conteúdo dessa carta deve ser confidencial, dada suas implicações". Era o pedido por fundos internacionais clandestinos para a operação que culminaria na publicação, em 1985, de Brasil: Nunca Mais. A pesquisa revelaria nomes de 444 torturadores, 242 centros de tortura no Brasil e, com os testemunhos de milhares de vítimas, apontaria a dimensão da repressão no País.

O projeto foi ideia do reverendo protestante Jaime Wright, cujo irmão, Paulo, havia sido morto pelo regime. Em vez de procurar sua igreja, o pastor optou por se aliar a d. Paulo. Mas o cardeal resistia em pedir dinheiro para a Igreja Católica no Brasil, temendo que a ala conservadora abafasse o projeto e o denunciasse. A solução era pedir dinheiro de forma ilegal, vindo da Suíça.

Era um projeto ambicioso. O grupo usaria uma brecha na lei para compilar os dados. Para se preparar para a Lei da Anistia, dissidentes e advogados tiveram acesso por 24 horas a seus dossiês. Foi o suficiente para que o grupo detalhasse a repressão em 1 milhão de páginas coletadas.

"Por todo Brasil, em Cortes militares, há uma abundância de material que substanciam 15 anos de repressão, contidas em centenas de dossiês", afirmou d. Paulo. Em outra carta, o cardeal chegou a citar o caráter "enciclopédico da tortura" no Brasil.

"Sentimos que as igrejas precisam tomar a iniciativa de garantir que, pela publicação desse material, tais coisas não ocorram de novo", argumentou d. Paulo. "Pedimos, portanto, que o Conselho Mundial de Igrejas aceite a tarefa de levantar a grande maioria dos fundos necessários, de uma forma confidencial."

Os arquivos guardaram tabelas detalhadas sobre os custos e as viagens dos pesquisadores. D. Paulo precisava de US$ 329,1 mil para completar seu projeto. O equipamento comprado seria doado para a PUC.

Quase um ano depois, em 23 de junho de 1980, o cardeal receberia uma carta de Potter com duas notícias importantes. A primeira era de uma doação às " famílias dos operários em greve no ABC". Mas era a segunda notícia que mais impactaria d. Paulo. O Conselho confirmava que havia conseguido "levantar a maior parte dos recursos necessários à realização do projeto especial". Potter garantia que a pesquisa sobre a tortura no Brasil seria divulgada nas igrejas "em todo o mundo para sua reflexão".

Depois de copiados, os processos eram enviados para São Paulo, onde eram transformados em microfilmes. De lá, seguiam escondidos para Genebra. Quem chegava à cidade suíça com as informações retornava ao Brasil com dinheiro para o projeto, escondido dentro do cinto.

Em 19 de fevereiro de 1983, d. Paulo Arns fez questão de informar a Potter que o dinheiro "estava sendo gasto estritamente de acordo com os planos aprovados". E afirmou: "Esse projeto terá efeitos duradouros." E não só políticos. Mais que aliados, d. Paulo e Jaime Wright tornaram-se amigos, como mostra uma carta de 1996.

Para Charles Harper, que hoje vive na França, d. Paulo deu apoio moral e espaço físico para quem, dentro da Igreja, lutou contra a ditadura. O projeto valeu a adesão do Brasil nos anos 80 à Convenção da ONU contra Tortura. Para Harper, mesmo que os criminosos nunca tenham ido à Justiça, o trabalho de d. Paulo e do arquivo em Genebra fez com que a tortura no País e suas vítimas não sejam esquecidas.

Ronaldo Castro

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