quarta-feira, 13 de março de 2013

Teologia da Libertação: uma doutrina em transe, com Pe. Bruno Costanzo - diocese de Nova Iguaçu.


    Teologia da Libertação: uma doutrina em transe, com Pe. Bruno Costanzo - diocese de Nova Iguaçu




 O “pessoal da TL” é conhecido na Paróquia São Simão, em Belford Roxo. Eles não gostam de ser chamados assim por colegas e, dentro dessa igreja, são maioria. Acreditam nos princípios da Teologia da Libertação, a ecumênica e crítica corrente de pensamento originada há mais de 40 anos na América Latina e que enfrentou grandes resistências na Cúria, principalmente nos anos 1980. 

Hoje já não há tanta polêmica nos pensamentos sobre a luta contra a desigualdade social como ação fundamental da religião. Envolta em escândalos financeiros e de pedofilia, a Igreja tem outras prioridades - como o conclave que elegerá o sucessor de Joseph Ratzinger, o hoje Papa emérito Bento XVI. Mas essa forma de pensar, marcada por críticas de que politizaria e espalharia conceitos marxistas nos templos, sobrevive em constante transformação.

A Paróquia São Simão tem imagens de santos, bancos de madeira, púlpito e tudo como manda o figurino. Mas a artesã Margareth Candido, de 45 anos, sabe que existe ali algo diferente. O padre italiano Bruno Costanzo e as senhoras que vendem artesanato no centro cultural da igreja, também.

 Sou católica apostólica romana, obediente ao Papa etc. e tal. Mas acredito muito na proposta da Teologia da Libertação. Na Baixada não há outra alternativa fora estar preocupado com a vida do pobre. Depois descobrimos que isso tem nome. 

 Aqui as ovelhas caminham, não somos simplesmente cordeiros - conta Margareth, que, além de frequentar a igreja, faz trabalhos sociais numa comunidade eclesial de base. - Somos da TL, assim dizem as pessoas da renovação carismática que frequentam a igreja. Esse título me incomoda, rótulos só atrapalham. Eu sou da Igreja, discípula de Cristo!

Foram-se a Guerra Fria e a ditadura militar brasileira, e o mundo não é mais polarizado entre comunismo e capitalismo. Já fez sentido político dizer que as atividades sociais da Teologia da Libertação representavam risco para a Igreja, podendo resultar até em processos inquisitórios. Padre Bruno defende que esse tipo de teologia aparece, hoje, na forma de encarar a desigualdade, e cita exemplos como cursos de formação de líderes e ações sociais. Talvez a marginalização do movimento, que perdeu força política, tenha contribuído para que sua manifestação apareça agora de forma mais pulverizada.

Quando prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, antiga Santa Inquisição, o então cardeal Joseph Ratzinger atuou para calar o movimento. Um caso conhecido é a condenação a um ano de “silêncio obsequioso” do então padre brasileiro Leonardo Boff, em 1985. Ratzinger foi o inquisidor. Em 2013, com a democracia brasileira em pleno amadurecimento, o padre Bruno não tem problemas ao assumir sua visão de mundo. Diz que é seguidor da Teologia da Libertação há décadas e que não teme punições de bispos.

 Há uma certa tentação da Igreja de se fechar em si mesma porque os problemas são muito complicados. Ressurgem tentações de o padre ser a autoridade dentro de seu grupinho e ficar restrito a isso, não encarar os desafios. Isso infelizmente acontece. Tentamos levar em frente os ideais que aprendemos. São a essência do Evangelho. Se Jesus ficasse fechado no templo em Jerusalém, não encontraria ninguém. Mas ele resolveu andar no meio do povo, e vieram as consequências. A Igreja tem que fazer o mesmo, estar dentro do povo.

Por mais que a repercussão não seja a mesma do passado, alguns ecos das antigas críticas aparecem. O teólogo Boff conta que, em 2011, foi convidado para ser professor visitante, por um semestre, da Universidade de Munique, na Alemanha. Foram espalhados alguns cartazes pela instituição para chamar alunos a participar do curso. Foi quando Ratzinger reapareceu na vida de Boff.

 Era um curso aberto sobre novas fronteiras da Teologia da Libertação. Em visita à universidade, o Papa, que descansava na Baviera, viu aqueles cartazes anunciando meu nome e falou com o reitor para cancelar. Logo depois me pediram desculpas, e o reitor me escreveu dizendo que não poderia negar um pedido do Papa. Não dei o curso - recorda-se Boff. - Até os dias de hoje, Bento XVI tentou estrangular a Teologia da Libertação.

Longe de Munique, em Belford Roxo, o trabalho de uma igreja ligada a essa corrente guarda algumas diferenças na comparação com templos tradicionais. No fim de janeiro deste ano, por exemplo, foi feito um curso para formar lideranças, com ajuda da Iser Assessoria, ONG que se originou no Instituto de Estudos da Religião e reúne teólogos, cientistas sociais e historiadores para ajudar religiosos, comunidades eclesiais de base e outros movimentos a levar adiante conceitos originários da Teologia da Libertação. Nessas reuniões, a teologia é abordada, assim como uma leitura progressista do Concílio Vaticano II (1961-1965), que implementou uma série de mudanças na Igreja, como a valorização da convivência com outras religiões.

Dentro da preocupação da Teologia da Libertação, precisamos entrar na vida da sociedade, porque, antes, a Igreja era maioria, centro de poder e serviço. Hoje não é mais assim - diz o padre Bruno.
Teólogo da Iser Assessoria, Névio Fiorin diz que a ONG trabalha diretamente com padres. Ele diz ter percebido uma mudança no perfil deles:

Trabalhamos na formação de padres e freiras e com líderes de comunidades eclesiais de base. Temos ajudado bispos, paróquias e organizações religiosas para a revisão da atividade pastoral. A Igreja é um organismo vivo. Por meio da Pastoral da Juventude, temos contato com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Hoje os padres querem mais conforto, trabalhar em igrejas de classe média, ter apartamento e carro. A Teologia da Libertação sentiu o baque, não dá para negar.

Nascido na cidade de Fossano, na região de Piemonte, padre Bruno ordenou-se ainda na Itália. Pouco depois, atendeu a um pedido da Igreja e decidiu vir para o Rio, em 1969. A temporada seria de cinco anos, para ajudar na evangelização na América Latina. Já está por aqui há mais de 42 anos. Aos 71, depois de passagens por paróquias de Bangu e da Baixada Fluminense, não pensa em deixar a São Simão, onde trabalha há 30 anos. Ele dá pistas de onde surgiu o interesse por temas sociais e políticos:

Quando cheguei de navio, todos queriam saber o que estava acontecendo porque a repressão (militar) estava comendo solta. Dois dias depois da minha chegada, prenderam o Frei Betto e soubemos da morte do (Carlos) Marighella.

Por mais que não apareça como em décadas passadas, Boff vê vivos os princípios. Ele chama a atenção para o método da Teologia da Libertação, segundo o qual a pessoa analisa a realidade para, assim, julgar que decisão tomar. Há também eventos periódicos, como a organização de um fórum específico sobre a corrente de pensamento sempre antes de cada Fórum Social Mundial (encontro criado para ser um contraponto às políticas neoliberais).

 A partir da opção pelos pobres, você tem outra imagem de Deus. Não é o tirano, senhor dos palácios, é o Deus da ternura dos humildes, que usa seu poder para defender o pobre - diz Boff. - (Karl) Marx nos ensinou que pobre é no discurso religioso. No discurso analítico, é oprimido. A religião é usada em dois sentidos: para acalmar os pobres com promessas de eternidade e felicidade e para legitimar os ricos, que se salvam pela generosidade. O pobre se salva pela paciência.

Os ensinamentos de Marx, mesmo citados, não são considerados por Boff criadores da Teologia da Libertação. Ele argumenta que o marxismo existe hoje como teoria sociológica, não como ideologia oficial de um Estado.

 É uma coisa bíblica, não tem nada a ver com marxismo. Marx não é pai nem padrinho da Teologia da Libertação. (Quem acusa a Teologia da Libertação de marxista) Está chutando cachorro morto - diz Boff, que apoia o projeto de governo do PT e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), mesmo criticando o que chama de “vícios de governabilidade”, com alianças políticas polêmicas.

Ao responder sobre o futuro da Teologia da Libertação e da Igreja, Boff é otimista e catastrófico. Sobre a corrente teológica, aponta como tema atual a discussão sobre a presença das mulheres na Igreja e na sociedade. Os debates sobre o aquecimento global fizeram, segundo ele, surgir um termo novo, a Ecoteologia da Libertação. “O grande pobre é a terra”, argumenta Boff.

Ele não esconde críticas ao cardeal brasileiro Dom Odilo Scherer, um dos cotados pela imprensa internacional como favorito no conclave.

Se ele (Scherer) for o Papa, será o Bento XVII. Ele é conservador, passou cinco anos em Roma e entrou para o sistemão romano do Vaticano. Se o próximo Papa não destruir esse sistema, é bobagem. A Igreja não vai se salvar e se tornará uma seita ocidental - prevê. - Enquanto houver injustiça, haverá cristãos que vão se indignar, resistir e iniciar o processo de libertação para que essas vozes não gritem mais. A Teologia da Libertação é perene.

Fonte: Jornal O Globo do dia 13/03/2013.
FLÁVIO TABAK 

http://oglobo.globo.com/mundo/teologia-da-libertacao-uma-doutrina-em-transe-7819389

Um comentário:

  1. Gostei muito. Bom divulgar esse texto para que mais pessoas vejam outras perspectivas para a igreja católica.

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